Consumo de conteúdos digitais cresceu com a pandemia, formato facilita interação entre público e autores sem barreiras geográficas
Tradicionalmente, lançar um livro era um processo caro para ser realizado de forma autônoma e, por isso, majoritariamente dependente das grandes editoras, o que mantinha autores talentosos distantes do mercado. Tendência que vem mudando nos últimos anos pela influência dos blogs e redes sociais focadas em produções literárias. De acordo com a plataforma Clube de Autores, que atua no ramo de autopublicação, desde o início da pandemia, em março de 2020, e nos 4 meses seguintes, foram lançados por mês cerca de 1,2 mil títulos, contra a média de 30 antes do isolamento social. A plataforma aponta ainda um incremento de 40% nas vendas, em relação a igual período de 2019. Houve também um salto de 30% no número de novos autores, na mesma base de comparação.
Autores do mundo inteiro têm encontrado nas plataformas de publicação online como Blogs, Medium e Wattpad espaços democráticos e gratuitos para colocar suas criações em contato com o público. Assim, consolidam sua rede de leitores antes mesmo da finalização do enredo.
É o caso da autora de romance, com toques de hot, Michele do Nascimento, que é brasileira e vive em Singapura, ela já conta com duas obras publicadas em formato 100% digital. A autora independente alcançou a marca de 100 mil visualizações do seu segundo título “Entre o desejo e a redenção”, antes mesmo de ser disponibilizado para venda na Amazon, em outubro de 2020. “Sempre gostei de escrever, na escola fazia pequenos contos baseados nas paixões das colegas e as presenteava. Porém, foi em 2017, após o nascimento do meu filho que expus minhas criações para um público maior, através do Wattpad. Já em 2019, após quebrar o pé, tive o incentivo que precisava para finalizar a primeira obra, vindo do meu marido. Ele ao me ver inquieta por estar limitada, me entregou o notebook e me sugeriu finalizar o livro.
Ali nascia a obra - "Entre Nós". Fui disponibilizando os capítulos aos poucos na plataforma e agregando leitoras. Elas tornaram o processo de criação ainda mais vivo. O segundo livro nasceu quase que espontaneamente, como resposta aos questionamentos do público que queria saber mais sobre o personagem Daniel, que foi criado originalmente como antagonista, mas acabou ganhando o afeto do público e merecia ter sua história contada”, disse a autora Michele do Nascimento.
Livros físicos podem ser taxados, aumentando apelo e adesão ao e-book
Os e-books têm se tornado uma opção ainda mais atrativa para os autores diante da possibilidade da taxação de obras impressas, como parte da Reforma Tributária. Vale lembrar de onde veio a isenção de tributos sobre livros. O escritor e, à época, deputado constituinte, Jorge Amado, além de suas obras, deixou para os brasileiros, como parte do seu legado, a imunidade de impostos aos livros no Brasil, em vigor desde a Constituição de 1946. Realidade que pode estar prestes a mudar, caso o projeto do Poder Executivo (PL 3887/20), em análise na Câmara dos Deputados, seja aprovado. O texto prevê tributo com alíquota de 12%, de acordo com informações da Agência Câmara de Notícias.
Entre os benefícios percebidos pelos consumidores que aderiram aos livros digitais está a acessibilidade às obras de diferentes lugares do mundo, sem frete ou espera.“Vejo entre as minhas leitoras grande aceitação com relação ao consumo de e-books. Tenho um público composto em sua maioria por brasileiras que moram no Brasil, Estados Unidos e Portugal, além de portuguesas e africanas que também falam português.No modelo de assinatura, disponível para Kindle, os usuários podem pegar até 10 livros por mês, sem pagar a mais por isso. Ao terminar de ler, devolvem e podem trocar por novas obras. Mesmo quem não é adepto desta modalidade pode adquirir as obras por preços que variam entre R$3,00 e R$5,00, o que jamais seria praticável para livros físicos”, avalia Michele do Nascimento.
O comportamento do consumidor, antes resistente à leitura em dispositivos eletrônicos, também vem se adaptando. O e-commerce teve um ano histórico, com crescimento de 73,88% no último ano,de acordo com o índice MCC-ENET, desenvolvido pelo Comitê de Métricas da Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net) em parceria com o Neotrust, Movimento Compre e Confie. Esta aceleração da transformação digital rompeu barreiras que os consumidores tinham com relação à compra em diversas categorias on-line, os livros são um exemplo. A participação das livrarias exclusivamente virtuais no faturamento das editoras registrou crescimento de 84% em 2020. No ano anterior, elas eram responsáveis por 12,7% do faturamento, já em 2020 este percentual foi de 24%. As vendas realizadas na internet ou em marketplaces cresceram de 3% para 8% entre 2019 e 2020, segundo dados do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) em seu relatório divulgado sobre o setor.
Os brasileiros estão lendo mais e interagindo mais com seus autores favoritos
O consumo de literatura em formatos digitais têm alterado também a relação entre leitores e autores. Com os espaços de entretenimento fechados, assim como as livrarias físicas, o smartphone, tablet ou leitor digital se tornaram as lojas mais convenientes. Fato que colaborou para que, durante o isolamento social intenso, os brasileiros recorressem mais à literatura como forma de entretenimento. A pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial, realizada pela Nielsen para a Câmara Brasileira do Livro e para o Sindicato Nacional dos Editores de Livros, mostrou um crescimento de 81% para os conteúdos digitais vendidos em 2020, no sistema a la carte, em relação ao ano anterior.
A leitura realizada em dispositivos eletrônicos também facilita que a emoção provocada pela leitura seja compartilhada de forma imediata e chegue até o autor. “Separo um tempo na minha rotina diária de trabalho para interagir com os comentários e perguntas das leitoras nas redes sociais. Elas dizem o que esperam dos personagens, expressam suas opiniões e preferências e me fazem pedidos. Um personagem que originalmente eu pensava que seria odiado pode ter total aceitação do público, por exemplo. Esta troca é importante para entender se estou conseguindo chegar até meu público e não era possível para os autores algumas décadas atrás. Não busco criar personagens idealizados, mas bastante humanos e reais, no processo de criação eles têm características físicas e até signos. É como se eles ganhassem vida e cochicharam para mim seus próximos passos, então, nem sempre o público recebe o final esperado, mas é vital saber como isto é recebido”, pontua a autora da duologia "Entre Destinos".
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A digitalização de conteúdos confere flexibilidade de criação e abre também fronteiras para que autores tenham suas obras reconhecidas em outros países, sem necessidade de trâmites complexos como exportação e distribuição. “Meu próximo passo é a tradução das obras já publicadas para o inglês. Almejo sair da minha zona de conforto e me aventurar em estilos como uma comédia romântica transcultural que acontece com personagens entre Brasil e Singapura. Não quero ficar restrita ao romance, tendo em vista uma coletânea infantil inspirada no meu filho Bento e futuramente uma na minha filha Olívia. Para o escritor o trabalho é tão prazeroso que a possibilidade de se desafiar já é recompensadora”, conclui a autora Michele do Nascimento.
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